O conceito de soberania



A luta civil instaurada entre os partidários do presidente egípcio Hosni Mubarak e os contrários a sua continuidade no poder extravasa os limites da nação africana e se estabelece em outros círculos, que se não tão belicosos, indicam a exata dimensão do problema relacionado à soberania.

Afronta a idéia de democracia o fato de alguém permanecer no poder por mais de trinta anos. A exceção ficaria por conta do hipotético exemplo do governante que catapulta sua nação de padrões de subdesenvolvimento para aqueles observados em países considerados desenvolvidos sob os aspectos econômico, social e humano. Contudo, não parece ser esse o caso do Egito. Assim, de muito longe e com base apenas em informações jornalísticas, é autorizado afirmar que os movimentos pela deposição de Mubarak são justificados. Mas e sendo eles de fato justificados, qual o papel das demais nações, diretamente ou por intermédio de organismos internacionais como a ONU?

A primeira vista nenhum, afinal esse é um problema que diz respeito apenas aos egípcios. Mas será essa uma concepção correta mesmo diante do flagrante desrespeito aos direitos humanos, onde pessoas são agredidas, quando não massacradas? O problema não seria da humanidade ao invés de apenas dos egípcios? No caso de uma resposta positiva a essa indagação, seria preciso delimitar eventuais formas de intervenção.

Essa intervenção deveria afastar Mubarak do poder? E quem o sucederia? A partir de então o Egito deveria observar eleições periódicas? Para nós educados sob os valores ocidentais parecem óbvias as respostas: sim, Mubarak deve ser substituído por alguém que reze pela nossa cartilha e esteja disposto a ser substituído pelo seu sucessor regularmente eleito. Mas talvez os valores dos cidadãos egípcios não sejam exatamente iguais aos nossos. É possível que eles tenham perdido a paciência com Mubarak, mas não exatamente com governos de longa duração.

E mesmo que as respostas estejam na ponta da língua, são de difícil aplicação prática. Será acertada a escolha do substituto de Mubarak por essa suposta intervenção? Há exemplos de desacertos. Um bem recente é o de Saddam Hussein. Depois de amplamente armado pelos Estados Unidos na guerra contra o Irã, terminou escolhido como um dos maiores inimigos dos norte-americanos.

A atual confrontação no Egito é, portanto, mais um exemplo de como o assunto soberania é delicado. Está sujeito aos jogos da política externa. Envolve interesses culturais, religiosos, financeiros. Nada é tão simples. O interesse norte-americano em intervir no Iraque era evidente – manter o domínio geopolítico na região e, com a pretendida reconstrução iraquiana, encher os bolsos de alguns “empreendedores”. Por outro lado, não havia qualquer interesse em intervir em países africanos assolados por guerras civis ou carnificinas tribais. E até o momento não se cogita de intervenção no Egito porque, embora governado por um regime autoritário, o que suceder este pode ser bem pior a determinados interesses.

Talvez a melhor forma de intervenção seja avisar os contendores que eles próprios precisam resolver a questão. Mas que há regras a serem observadas. A principal é o respeito ao outro. E é a observância desta que as demais nações devem exigir. Somente neste caso é que a soberania não pode ser oponível. Mas, infelizmente, também essa solução está longe de se concretizar.

Gerson Godinho da Costa
Vice-Presidente Cultural e da ESMAFE



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