O Direito de ser Infeliz



Mal-humorados em geral e deprimidos de plantão, seus dias de infelicidade estão contados. Tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição n. 19/2010 com o objetivo de alterar o art. 6.º da Constituição Federal "para incluir o direito à busca da felicidade por cada indivíduo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas condições de exercício desse direito".

Tirante a pretensamente bem-humorada colocação inicial, o assunto é sério, especialmente considerado o autor da Proposta, um dos mais respeitáveis congressistas da atualidade. Sem embargo, cabe manifestar algumas inconformidades com relação à medida.

Felicidade é um estado de espírito humanamente transitório. Se está feliz, não se é feliz. Ademais, a felicidade é um conceito eminentemente subjetivo. Num mesmo ambiente, sob idênticas condições, uma pessoa pode estar feliz e outra não. Não se pode erigir à categoria de direito algo que é objetivamente indefinível. O propósito do Senador é o de claramente alertar para a necessidade de cumprimento dos direitos sociais estampados no próprio art. 6.º que visa emendar. Pois estes sim são objetiváveis, embora a ineficácia da disposição constitucional seja manifesta.

Não é preciso muito esforço para observar que direitos sociais como educação, saúde, moradia, lazer e segurança estão longe de ser cumpridos. Entretanto, não há vinculação estrita entre estes e a felicidade. Presume-se que com o cumprimento dos primeiros as pessoas estejam felizes. Mas isso é correto apenas em parte. Assim não o fosse e a infelicidade não seria observável nos países em que os direitos sociais estão concretizados. Não há relação de causa e efeito entre direitos sociais e felicidade. Os prósperos alemães, pelo menos aqueles interessados por futebol, certamente estavam infelizes em comparação aos brasileiros pobres após a final da Copa do Mundo de 2002. Um morador de rua sem educação formal pode estar mais feliz que um cidadão pós-graduado residente numa mansão.

Isso não significa que não devamos lutar para assegurar educação e moradia, assim como os demais direitos sociais, para aqueles que não os têm - e o Senador Cristovam Buarque é um dos grandes soldados dessa luta -, mas é preciso dissociar a noção de felicidade a dos direitos sociais.

Essa singela crítica pode indicar simples preciosismo. Pode-se afirmar que se bem não faz, mal também não causa. Pois reside aqui o cerne da discordância: faz mal sim. Desacredita ainda mais o nosso já tão desacreditado sistema jurídico. Atrai mais desprestígio a nossa tão remendada Carta Constitucional ao veicular algo por natureza impossível de cumprir. Ampara a noção, tão pródiga de exemplos, de que o papel aceita tudo, mesmo aquilo que não precisa ser levado a sério.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Vice-Presidente Cultural e da ESMAFE



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