Sobre modelos e diferenças



bandonando por um tempo as leituras jurídicas, no final de semana passado li uma obra sobre um aspecto da biografia de Winston Churchill: sua paixão por charutos, os quais, ao lado das famosas sonecas vespertinas, auxiliaram o primeiro ministro inglês a enfrentar o desgastante e tenebroso período da Segunda Guerra mundial.

Entre muitas passagens interessantes há uma que pode servir para fins de comparação com algumas rotinas brasileiras. Em dado momento, o governo cubano presenteou Churchill com um belíssimo armário em madeira contendo centenas de charutos. Para os apreciadores do produto não haveria presente melhor. Mas daí criou-se um imbróglio burocrático e até diplomático. Tratando-se de produto não essencial em tempo de conflito, o presente precisou ser tributado num valor considerável. Pois depois de muitas idas e vindas o próprio presenteador resolveu pagar os valores e liberar o valioso regalo. Não se soube de protestos públicos em favor da liberação sem ônus.

Lida a passagem, imediatamente lembrei de outro fato, passado em terras brasileiras. Em 1994, depois de vencida a Copa do Mundo de futebol pela seleção brasileira nos Estados Unidos, surgiu uma celeuma por conta da tributação de produtos importados pelos atletas brasileiros. A autoridade fiscal procedeu da forma como determina a lei, autuou os pobres coitados e exigiu o pagamento do imposto. Porém por cá, diferente do que ocorre lá pelas bandas britânicas, a galera em massa, tal qual como num Maracanã lotado entoando um hino flamenguista, praticamente exigiu a isenção de pagamento por parte dos heróis nacionais.

Puxa vida, que diferença! O homem que conduziu sua nação na luta contra os nazistas foi tratado tal qual todos devem o ser, enquanto nossos jogadores receberam o tratamento dispensado a todo ícone nacional: acima do bem e do mal e, principalmente, da lei. Obviamente esses fatos não explicam o porquê das enormes diferenças entre Brasil e Grã-Bretanha, especialmente sob os aspectos econômico e social. Nada é tão simplista. Mas da comparação entre esses dispomos de uma pista sobre a imensa disparidade cultural. Assimetria essa que possivelmente ajude a explicar os motivos de nosso desagrado com a lei, especialmente quando invocada em nosso desfavor.

Mas levemos isso de barato. Talvez a diferença seja de idade. Ainda somos muito jovens enquanto nação para compreendermos que exigir direitos abarca também o cumprimento de deveres. Ainda somos jovens demais para entender que, resguardadas as diferenças de natureza, a lei deve ser geral, e, cumprido o requisito da generalidade, deve valer para todos. Ainda somos jovens para compreender que, tirando a arena própria da condução dos negócios públicos e do campo de futebol, seja o primeiro-ministro, seja o jogador de futebol, seja qualquer um de nós, somos todos iguais.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Vice-Presidente Cultural e da ESMAFE



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