Luz, câmera... omissão!



Luzes, câmera...omissão! Enquanto que o Código Penal não muda, e não se alteram algumas visões de mundo forjadas a partir de uma realidade que já se alterou, é preciso uma atenção redobrada para este grande palco que vem se transformando nossa capital federal.

A cada novo escândalo, nós, que somos eleitores meio distraídos mas que não perdemos nossa capacidade de indignação, pensamos em votar em branco, porque é uma vergonha tudo o que está acontecendo; em anular o voto, pois o Pelé tem razão mesmo, o brasileiro não sabe votar; e até mesmo em adotar o parlamentarismo, já que é ultrajante esta troca de apoio parlamentar por cargos e verbas; mas nós, eleitores também meio desligados, nem lembramos direito em quem votamos para deputado (como era mesmo o nome do primo da vizinha?) ou senador ( aquele que tem um castelo? o que tem um palácio? ou aquele que só tem um apartamento financiado pelo BNH, e que paga em dia as prestações?).Na verdade, nós, eleitores meio desligados, meio distraídos, às vezes temos nostalgia daquelas cédulas de papel, porque pelo menos dava para escrever uns desaforos nelas, saindo da seção eleitoral mais aliviado, e achamos muito aborrecido a propaganda política, mesmo com o Tiririca fazendo palhaçada.

Nós, eleitores meio desligados, meio distraídos, rimos da charge que satiriza o escândalo da vez, e nos indignamos com a reportagem da tv, mas, já que somos meio desligados, meio distraídos, não nos damos ao trabalho de digitar o nome do nosso candidato em algum site de busca, às vésperas da eleição.

É claro que nós, eleitores meio desligados, meio distraídos, não vamos condenar ninguém por uma notícia isolada ou algum fato muito controverso, mas é muito bom saber que, no tribunal da nossa consciência, o candidato sobre o qual pairam inúmeros inquéritos e processos não pode avocar o direito ao silêncio. Nem fabricar versões e construir documentos, ou mesmo subir ao palanque e usar toda sua teatralidade para elaborar discursos indignados. Aí, vale o popular, o comezinho, o rasteiro ditado que diz "onde há fumaça há fogo".

E onde existe fumaça demais há incêndio dos grandes: incêndio de cargos, destinados a apadrinhados e parentes; incêndio de verbas, destinadas a gastos espúrios; incêndio de nossas expectativas, incêndio de nossas melhores esperanças! E é por isso que nós, eleitores meio desligados, meio distraídos, precisamos não só votar, mas também vigiar. Precisamos mandar e-mail, carta, telegrama. Até para dizer que não se vai mais votar naquele político, por esta ou por aquela razão (e se o eleitor temer alguma represália, pode fazer uso de um pseudônimo: Ana-que-se importa, Tonhão "dinheiro na cueca", Paula não-se-lixa, e assim por diante).

Nós eleitores meio desligados, meio distraídos, precisamos ter em mente algo inolvidável: o maior dever do cidadão, a despeito de todas as dificuldades e de todas as incompreensões, é procurar sempre o bom político, (ou o menos pior!) aquele minimamente engajado na promoção do bem comum e na aplicação responsável dos escassos recursos públicos. Aquele que vai ao parlamento para parlar, para promover um debate responsável dos grandes problemas nacionais, e não para praticar o verbo da mesma conjugação que o leitor está pensando.

O que não dá mais é a continuidade deste apagão na hora do voto, deste desligamento total. Se nós - leitores de jornal e formadores de opinião - não exercemos esta vigilância, quem o fará? Não será o eleitor que troca seu voto por um pé de chinelo (literalmente: o pé faltante só será entregue caso o candidato ganhe a eleição), muito menos os beneficiários dos esquemas que se renovam semanalmente com o mesmo roteiro, e por muitas vezes com a mesma trilha sonora, cenário e atores.

Marcel Citro de Azevedo é juiz federal em Porto Alegre e Diretor Cultural da AJUFERGS



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