Sobre marchas e tabus



O assunto das marchas pela liberação da maconha parece requentado. Não é. Há um dado novo. Está em cartaz - infelizmente num único cinema de Porto Alegre, e numa única sessão - o documentário "Quebrando o Tabu", dedicado ao tema da descriminalização do uso de drogas, em especial da maconha.

Imaginemos que o Supremo Tribunal Federal não considerasse legítimas as aludidas marchas, será que os que realizaram o filme, e mesmo aqueles que dele participaram, estariam fazendo apologia do crime, e, portanto, também cometendo um delito? Bem, nessa lista poderíamos incluir, dentre outros, o ex-Presidente da República Fernando Henrique Cardoso - em corajosa atividade em defesa de suas idéias -, os também ex-Presidentes, mas dos Estados Unidos, Bill Clinton e Jimmy Carter, mais um monte de outras autoridades, além do renomado médico Drauzio Varella.

A decisão do Supremo foi acertada. A Corte não afirmou que se deve descriminalizar o uso da maconha, mas sim que o assunto deve ser discutido. O mais amplamente possível. As marchas pretendem desencadear essas discussões. Não configuram apologia ao crime, mas exercício do direito à liberdade de manifestação e de informação.

Mas qual o argumento das autoridades antes citadas e de boa parte dos defensores e participantes das marchas? Não se baseiam no falacioso argumento de que a maconha não faz mal, pois está cientificamente comprovado que seu uso imoderado pode resultar em severos danos físicos e psíquicos. Aliás, assim como o uso excessivo de álcool e de tabaco. Um dos argumentos que sustentam é o seguinte: a liberação do uso controlado pode encerrar o sempre crescente número de usuários, de resto contribuindo para desarticular os grupos criminosos que lucram com o tráfico ilícito. Também pode servir de experimentação para a liberalização de outros entorpecentes considerados mais gravosos.

Mas há outro dado essencial que insistimos em não admitir. A chamada guerra contra as drogas está perdida. Sempre esteve. É inimaginável um mundo sem drogas, e a parte inicial do documentário antes referido é pródiga em exemplos do seu uso ao longo da história. São quase imensuráveis as cifras monetárias dispensadas, em especial pelos Estados Unidos, com essa política de combate. E os resultados são inócuos ou imperceptíveis.

E por favor, a crítica é dirigida única e tão-somente à política de combate, não aos órgãos que, lá na ponta, procuram implementá-la, como os policiais e judiciários. Não se desmerece os trabalhos sérios até então desenvolvidos, apenas se cogita de outras ferramentas que podem atuar de forma mais efetiva, sem tanto dispêndio de dinheiro e possivelmente sem tanto derramamento de sangue. O tráfico se sustenta pela imensa demanda. Mas a punição dos consumidores tem se revelado inadequada. Ela apenas fomenta um círculo interminável. Os dados estão aí, são inequívocos. E mesmo que assim não fosse, custaria tentar outros caminhos? Há gente bastante respeitável entendendo que sim. Não custa nada ouvi-las.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Vice-Presidente Cultural e da ESMAFE



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