Faxina?



Goebbels tinha razão: repetida mil vezes, uma mentira se torna verdade. Clichê para situações de enganação en masse, não há definição melhor para a chamada "faxina" atribuída à Presidente Dilma Roussef que a frase criada pelo infame Ministro da Propaganda nazista.

Analisando os casos que levaram à demissão de Ministros e de outros altos funcionários da administração federal nos últimos meses - a tal faxina -, é fácil perceber que nenhum deles ocorreu por iniciativa do Governo. À exceção de um, todos foram revelados pela imprensa: desde a multiplicação milagrosa do patrimônio de Palocci até o caso do Ministro que pagava motel, governanta e chofer de madame com dinheiro do contribuinte, nada veio a público por obra de qualquer órgão da gigantesca máquina pública a serviço da Presidente da República. No único caso cuja iniciativa foi de órgão do Governo [Polícia Federal], envolvendo o número dois do Ministério do Turismo, Dilma teria se abespinhado por não ter sido informada antecipadamente de sua prisão, não por causa da roubalheira.

Não bastasse os fatos falarem por si, a Presidente têm reiteradamente manifestado que o combate da corrupção não está na sua agenda e que a base aliada é composta somente por "homens de bem". É certo que comparada com Lula, homem que redesenhou as relações republicanas no Brasil [não necessariamente para melhor], Dilma parece menos tolerantes a desvios. Mas defini-la como responsável por um processo de limpeza na política nacional é pura ilusão.

Mesmo que quisesse, a Presidente não poderia fazer a tal faxina. Em primeiro lugar, porque ela não é uma simples herdeira inocente do que alguns vêm chamando de "herança maldita" da era Lula. Integrante de primeira hora, e nos últimos anos vivendo no seu epicentro, Dilma foi uma das grandes protagonistas do Governo de seu antecessor, sendo no mínimo ingênuo vê-la como alheia à política de alianças e troca de favores então construída. Em segundo lugar, mesmo não querendo admitir publicamente tal fato, a Presidente é de certa forma refém desse perverso sistema fisiológico, não podendo abrir mão de alianças com Partidos Nada-Republicanos e com os grandes oligarcas da política nacional. Além disso, após Roberto Jefferson ter revelado o esquema do mensalão, não se deve subestimar o estrago que alguns aliados podem causar quando encurralados.

Pior que tudo, porém, é ver que o país continua nas mãos de pessoas que além de não apresentarem ficha limpa, não possuem a menor condição técnica para desempenho de cargos de Ministro de Estado: veja-se o caso do recém caído Ministro do Turismo, cujas únicas credenciais pareciam ser o fato de integrar o PMDB/MA e sua associação com o Todo-Poderoso Presidente do Senado, José Sarney. Credenciais coincidentemente atendidas pelo novo ocupante da pasta, a não deixar dúvida que cargos como esse servem não a qualquer interesse público, mas a um fisiologismo do mais arcaico, garantindo a certos grupos políticos sua "cota" na fruição das benesses geradas pela máquina pública.

Apesar de inebriados pelo ainda relativamente bom momento econômico e pelo novo papel desempenhado pelo Brasil no cenário internacional, não podemos esquecer que ocupamos posições vergonhosas em qualquer índice de desenvolvimento humano, com coincidente destaque, neste aspecto, aos Estados da federação de onde vêm esses caciques do patrimonialismo. Nosso crescimento econômico, cujos resultados têm sido capitalizados ao máximo pelo Governo, se devem mais à China e sua insaciável necessidade por commodities do que às nossas próprias virtudes, como recentemente bem observou o empresário Jorge Gerdau Johannpeter. A tão celebrada nova classe C possui renda média inferior ao que nos Estados Unidos corresponde à linha da pobreza. Chamo atenção para estes aspectos apenas para lembrar que nem tudo são rosas, e que ainda temos um longo caminho a ser trilhado na busca do desenvolvimento e da igualdade social.

Não podemos nos iludir. É preciso fazer a faxina de verdade na política nacional. O custo da corrupção e da falta de eficiência do Governo ainda é muito alto. E quem paga essa conta somos todos nós.

Gueverson Farias
Juiz Federal



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