Levando a Constituição a sério



No Brasil, muito se fala sobre o salário dos juízes. Porém a verdade é que muita gente no serviço público possui remuneração equivalente ou superior à magistratura. Em não poucos casos, inclusive acima do chamado teto constitucional.

Em recente artigo publicado em seu blog, o juiz federal George Marmelstein chamou a atenção para o fato de que hoje a remuneração de Ministro do Supremo Tribunal Federal – que por determinação constitucional deveria servir de teto no serviço público e de referencial apenas para fixação dos vencimentos da magistratura federal – acabou se transformando na remuneração almejada, e em alguns casos conquistada, pelas mais diversas categorias do funcionalismo público. Procuradores Federais, Auditores da Receita Federal, Delegados da Polícia Federal, entre outras categorias, possuem subsídios que não estão nada distantes do teto constitucional.

Mais interessante é que em muitos casos ao valor do subsídio – que, também por determinação constitucional, deveria constituir a integralidade da remuneração – agrega-se o pagamento de adicionais, gratificações, e outras parcelas que, além de ocultarem qual o valor real da remuneração percebida pelo agente público, acabam por ultrapassar o denominado teto constitucional. Mesmo dentro do STF há previsão de pagamento de verba além do subsídio, como é o caso do auxílio-moradia, recentemente reajustado para R$ 4.377,73 [hoje, apenas um Ministro daquele Corte estaria recebendo esse auxílio]. Isso sem falar é claro nos parlamentares, cujo subsídio corresponde apenas a uma pequena fração das inúmeras verbas e penduricalhos a que têm direito. Aqui exemplar, como sempre, é o caso do Senador José Sarney, cuja remuneração recebida dos cofres públicos estaria em torno de nada menos que R$ 60.000,00!

Fator decisivo para as distorções é a falta de transparência na divulgação de dados sobre o quanto é efetivamente pago a muitas categorias do funcionalismo público. No final das contas, talvez a magistratura federal seja uma das únicas categorias em relação à qual não haja qualquer restrição à publicidade do quanto efetivamente recebe, e cuja remuneração se limite ao subsídio. Nesse contexto, não deixa de ser curioso que a remuneração dos juízes, especialmente dos federais, seja objeto preferencial de críticas e de intenso escrutínio da opinião pública...

É certo que a remuneração dos juízes, assim como a de qualquer outro agente estatal, pode e deve ser objeto de discussão pública. Porém tal discussão deve ser travada no mínimo considerando o contexto do funcionalismo público em geral e especialmente das demais categorias jurídicas. O debate passa também e fundamentalmente pelas expectativas que a sociedade tem em relação a seus magistrados, podendo ser simplificada em qual tipo de juiz se quer para o país. Envolve ainda o exame das responsabilidades e das restrições que pesam exclusivamente sobre a magistratura, bem como, segundo vejo, pelo quanto da demora na prestação jurisdicional pode ser de fato atribuída aos juízes, reféns de um sistema que emperra das mais variadas formas a efetividade das decisões judiciais.

E ao menos se não tomada uma decisão institucional de desvalorização ainda maior da magistratura, deveria ser cumprido o que determina a Constituição Federal, que prevê, com todas as letras, reajuste anual dos subsídios. Também enquanto não tomada uma decisão institucional em sentido contrário [a qual não se acredita possível], deveria se observar o que determina o art. 37, inciso X, da Constituição Federal, que prevê o chamado teto no funcionalismo público. Não pode haver direito adquirido a super-salário, tampouco a receber qualquer extra que implique em superação do teto.

Passados 23 anos de sua promulgação, talvez tenha chegado a hora de levar a Constituição definitivamente a sério.


Gueverson Farias,
Juiz Federal



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