A divulgação capenga da democracia



Dizem que vivemos num país plenamente democrático. A comparação entre o recente período de exceção findado em meados dos anos oitenta e os tempos contemporâneos confirma essa conclusão. Mas se relacionarmos nossas experiências políticas com algumas estrangeiras ou mesmo com alguns valores que têm permeado nosso atual estágio cultural, vamos constatar que não é bem assim.

No Brasil ainda estamos impregnados da noção de que a democracia se efetiva pela realização de eleições periódicas. O discurso é: elegemos alguém e se o trabalho desse alguém nos agradou então nos cabe reelegê-lo, caso contrário, releguemos o incompetente e entronizemos outro. Em síntese, tudo acaba girando em torno da política profissional, e, tirando a época de pedir votos, acabamos sendo tratados como cidadãos absolutamente inaptos que devem ser conduzidos pela mão. Obviamente que os políticos profissionais têm responsabilidade por essa situação, mas é fato que a sociedade também concede sua parcela de contribuição.

Se o cidadão pretende ouvir alguma notícia, música ou um comentário qualquer depois das dezenove horas é melhor esquecer. A partir desse horário, pelo período de sessenta minutos, somos infalivelmente brindados durante a semana com o programa "Voz do Brasil". Não adianta procurar outra estação. Agradeça se houver a possibilidade de ouvir um CD. Há similaridade com o famigerado horário eleitoral gratuito. Antes das eleições é quase sempre a mesma coisa, candidatos sustentados por fantasiosas campanhas publicitárias destacando a imagem para fazer-nos esquecer do conteúdo.

Para a maior parte das pessoas, é uma grande chateação, enquanto para outras, fonte de informação. Não interessa. O que releva considerar é a obrigatoriedade de todas as transmissoras veicularem esses programas. A continuidade desse ranço só tem uma justificativa: a necessidade de os políticos profissionais estarem permanentemente divulgando sua atuação.

Mas como afirmei a responsabilidade não é só deles. Abram os jornais e notem quanto espaço é dedicado à política profissional. E, convenhamos, não atribuamos a culpa aos periódicos. Eles se limitam a divulgar o que queremos ler. E isso se aplica a qualquer mídia.

Por outro lado, ouvimos aqui ou acolá, lemos ali no espaço apertadinho do canto da página ou assistimos uma referência de dez segundos à indicação da juíza Rosa Maria Weber para o Supremo Tribunal Federal. Não se insinua aqui qualquer demérito quanto à indicação. Pelo contrário, pois nos meios jurídicos os elogios são incontáveis. Mas exatamente pela relevância do cargo exercido não deveríamos ser premiados com maiores informações sobre a futura Ministra?

Mas quem se importa? Afinal, democracia é sinônimo de eleições. O fato de o Poder Judiciário - e em especial o Supremo - exercer atualmente um papel de protagonismo na consolidação do Estado Democrático de Direito é irrelevante. E magistrado não se maquia para fazer promessas infundadas. Não pede meu voto. Deixemos esses chatos desimportantes de lado! Siga o baile até as próximas campanhas políticas.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Vice-Presidente Cultural e da ESMAFE



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