Pela Constituição



Diálogo travado entre o candidato a Juiz Federal e o Desembargador Presidente da Comissão do Concurso durante entrevista prévia à prova oral:

- Doutor, me diga, além da opção pelo ‘voto de pobreza’, que outros motivos o levam a querer ser Juiz?

O candidato, desconcertado, desvia o olhar e timidamente responde ao Desembargador sobre as razões para a escolha, como crer no ideal da Justiça, da sua vontade em contribuir para a construção de uma sociedade melhor e de sua disposição ferrenha em fazer cumprir a Constituição, como forma de atender aos dois preceitos anteriores.

Desconheço se o candidato foi aprovado ou não, mas calou-me fundo a mensagem que aquele sisudo Magistrado, entrado em anos no exercício da profissão, transmitia ao aspirante ao mesmo cargo, qual seja, de que muito embora os Juízes, ao optarem pela carreira pública, não estejam reduzidos à condição de miseráveis, jamais auferirão ganhos sequer similares àqueles que poderiam obter como advogados, caso possuíssem os mesmos dotes intelectuais indispensáveis à aprovação no concurso para Juiz e, no exercício da advocacia, empregassem a mesma quantidade de tempo e empenho que os Juízes têm de dedicar à função judicante.

E a resposta do candidato não continha verdade menos contundente, qual seja, a de que quando se opta por ser Juiz conta menos o dinheiro e mais o ideal. É dizer: sobrevive-se quando escasseiam um (o dinheiro), ou outro (o ideal), mas pretender privar a magistratura de ambos já é demais.

Procurando contextualizar o impasse acima com a situação remuneratória e institucional vivenciada pela magistratura, que caminha para uma mobilização no dia 30 de novembro, quando Juízes Federais e Trabalhistas paralisarão suas atividades, é importante pontuar algumas questões para evitar que a reiteração de uma mentira seja transformada em verdade incontestável, pois quem conta uma verdade incompleta está a dizer uma mentira inteira.

Dizer que Juiz faz greve por salário é uma incômoda meia verdade, pois em realidade o movimento do dia 30 se insere em contexto mais amplo, de defesa da dignidade da magistratura, de reivindicação por mais segurança aos Juízes no cumprimento de suas atividades, de rejeição a uma Previdência Complementar de incerto futuro (ou de futuro certo apenas para os agentes privados que gerirão os polpudos fundos constituídos com a poupança do Servidor Público) e principalmente do cumprimento da Constituição Federal.

Os Juízes não querem aumento de salário, mas apenas o cumprimento da Constituição, que determina expressamente ao Congresso Nacional que corrija anualmente o valor do teto remuneratório do serviço público mantendo-o em valor compatível com os propósitos inspiradores de sua criação: ser a maior remuneração do setor público, eliminando os super salários até há pouco tempo percebidos pelos marajás (a lembrança da expressão não é feliz mas é emblemática) do serviço público. Atualmente o teto remuneratório já amarga defasagem que beira 25% (um quarto do seu valor) o que é um estímulo para que venha a se tornar peça de ficção, sendo desrespeitado sem a menor cerimônia (com as famosas rubricas ‘fura-teto’) em manifesto retrocesso a essa conquista republicana que foi haurida a duras penas com o decisivo apoio do Poder Judiciário.

A paralisação dos Juízes é um convite à tomada de consciência sobre a importância do teto constitucional e do quanto se regredirá nesse tema caso o Congresso Nacional siga demitindo-se do cumprimento dos dever que a Constituição lhe impõe; do quão maléfica é a excessiva ingerência do Poder Executivo junto ao Congresso quando impede a votação da revisão do teto, priorizando metas fiscais em detrimento do cumprimento da Constituição e, finalmente, do quão preocupante é o silêncio do STF ao evitar o uso de mecanismos constitucionais que lhe são reconhecidos para equacionar o impasse, como se o problema não fosse também do Judiciário. Nessa inércia do Judiciário já se entrevê perda de autonomia, a confirmar a máxima repetida à exaustão desde que o mundo é mundo: quem quiser tolher a independência do Juiz, tolha em primeiro lugar sua autonomia financeira.

José Francisco Spizzirri
Presidente da AJUFERGS e Diretor de Relações Institucionais da AJUFE



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