Siglas e cifras



O Brasil é o país das siglas: mudam-se as letras ou a sua disposição, mas o conteúdo permanece o mesmo. Em lugar da CPMF, contribuição “provisória” que vigorou de 1996 a 2007, continua-se acenando com a Contribuição Social da Saúde - CSS, ainda que com maior discrição. Nos bastidores, clama-se por um aporte de recursos adicional para o setor, cujas dificuldades crescem em proporção ao tamanho das filas nos hospitais públicos.

Repete-se, portanto, o mantra já entoado pelo ex-ministro Adib Jatene, genuinamente perplexo com as agruras da população mais pobre em sua busca por saúde, “direito de todos e dever do estado”, nos termos do artigo 196 da Constituição. O ponto a destacar, entretanto, é que mais um tributo não resolverá os problemas do setor, que padece principalmente de má gestão dos recursos alocados e o desvio dos recursos destinados.

Não se está aqui, entretanto, a denunciar mais uma vez a corrupção que corre à solta, indiferente aos apelos de “Basta”! Sobre esse assunto, muito já se falou, e agora é preciso partir para o efetivo combate. O desvio de que se fala tem sede constitucional, e não é ilícito, apesar de ser imoral. Trata-se da DRU – Desvinculação das Receitas da União, mais uma sigla a afastar os escassos recursos da seguridade social para longe das áreas em que são mais necessários.
De fato, pelo projeto de emenda constitucional 61/2011, pretende-se desvincular de órgão, fundo ou despesa, até 2015, vinte por cento da arrecadação da união em contribuições sociais, que são espécies tributárias cujas receitas estão vinculadas, constitucionalmente, para aplicação não só em saúde, mas também em previdência e assistência social. Propõe-se, portanto, uma emenda constitucional para alterar o destino da arrecadação das contribuições, obtendo-se a alteração para erigir um estádio de futebol ao invés de um hospital infantil, ou aumentar-se a remuneração de CCs em detrimento de reajuste nas aposentadorias ou pensões do INSS.

Tal desvio, já bastante controverso por suas implicações constitucionais, agrava-se no atual momento, em que é preocupante a dificuldade do Estado Brasileiro de haver seus créditos: um hipotético não recolhimento de Contribuição Social sobre a folha de salários de determinada empresa, em dezembro deste ano, provavelmente irá ensejar uma autuação do Fisco tão somente em 2014 ou 2015, dando início a uma discussão administrativa do valor lançado ( primeiramente nesta capital e após em Brasília) que poderá se prolongar por cinco anos ou mais. Assim, é factível que a obrigação tributária inadimplida em dezembro de 2011 só venha a aparelhar uma execução fiscal em 2020. Naquele ano, friso, provavelmente irá iniciar-se a busca judicial do crédito público.

Daí a razão pela qual o Estado Brasileiro lança olhares voluptuosos para manifestações de capacidade contributiva onde a arrecadação é mais fácil, em detrimento daqueles setores em que a tributação seria, em tese, mais dificultosa. E também o motivo pelo qual alguns defensores agregam à CSS ( assim como o faziam com o IPMF e a CPMF) o qualificativo “democrático”, uma vez que a sonegação é difícil e amplo o número de contribuintes. Na verdade, o que poderia ser proposto à sociedade (e concretizado pelo Congresso!) é a efetiva alocação de todos os recursos angariados com a finalidade de aplicação em saúde em saúde.

Simples, assim. Sem DRU, sem novos tributos. Sem novas siglas para dispersar as cifras, direcionando-as para obras superfaturadas em rincões isolados do país em detrimento das emergências superlotadas das capitais.

A grande dificuldade é que, em matéria de política partidária no Brasil, o simples sempre se torna complicado.


Marcel Citro de Azevedo
Diretor cultural da Ajufergs e professor de Direito Tributário na ESMAFE ( Escola da Magistratura Federal no RS)



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