Guerra Fiscal: impunidade e soluções.



A "guerra fiscal" é a disputa entre os entes da federação para atrair contribuintes a seus territórios, mediante a redução da carga tributária.

Sobressai no âmbito do ICMS, em que os mais variados benefícios fiscais são concedidos de forma unilateral (por um só Estado), em flagrante contrariedade à Constituição Federal, que exige a prévia autorização de todos os Estados e do Distrito Federal, formalizada em convênio celebrado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ.

O tema está constantemente na pauta da imprensa e do Supremo Tribunal Federal. Ao enfrentá-lo, o STF sempre reitera a sua sólida e antiga jurisprudência acerca da ilegitimidade da guerra fiscal no âmbito do ICMS.

Então, como é possível que, passados mais de vinte anos da promulgação da Constituição de 1988, ainda estejam sendo concedidos inúmeros benefícios irregulares, em flagrante ofensa à Lei Maior e à firme jurisprudência do STF?

Sem dúvida alguma, a impunidade que reina no Brasil é um dos fatores que contribuem para a persistência da guerra fiscal.

Descumprir a Constituição da República constitui crime de responsabilidade, punido até mesmo com a perda do cargo (Lei 1.079/50). Porém, ninguém cogitaria iniciar o processo de impeachment de um Governador em razão de ele ter outorgado um benefício irregular no âmbito do ICMS, em prol dos interesses do próprio Estado. Frente aos escândalos de improbidade que a imprensa denuncia diariamente, descumprir a Constituição parece ser o menor dos pecados dos governantes brasileiros.

Outro fator que contribui para a persistência e para a disseminação da guerra fiscal é a falta de efetividade das decisões do STF: a Corte nem sempre as profere com a rapidez necessária; elas não levam à punição dos responsáveis pelo ato de infidelidade à Lei Maior; e não é raro constatar a renúncia do Fisco à cobrança do seu crédito.

Frente a esse contexto, percebe-se que o STF tem condições de atenuar significativamente a guerra fiscal, mas para tanto há de mudar a sua estratégia de ação: não deve incluir tais ações na vala comum dos inúmeros processos que afloram perante si e, ao julgá-las, não pode limitar-se a declarar a inconstitucionalidade das leis estaduais.

A Corte deve analisar prontamente todos os pedidos liminares; conferir expressamente eficácia retroativa às suas decisões, assinalando a necessidade de pronta restauração do status quo ante, com o lançamento e a cobrança do imposto que deixou de ser pago em razão do ilegítimo benefício fiscal; e solicitar providências destinadas a advertir e eventualmente punir aqueles que atentaram voluntariamente contra a supremacia da Constituição da República.

Com tais medidas, o Alto Tribunal poderia atenuar sensivelmente esse grave problema da federação brasileira. Mas jamais poderá resolvê-lo por completo. Só há uma solução segura para a guerra fiscal, preconizada há muito tempo por Ives Gandra da Silva Martins: trazer o ICMS para a competência legislativa da União, com o repasse integral das suas receitas financeiras aos Estados e ao Distrito Federal, o que faria jus à inquestionável "vocação nacional" que esse importantíssimo tributo sempre ostentou.


Andrei Pitten Velloso
Juiz Federal e Doutor em Direito Tributário



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