A pressa de entregar e a pressa de morrer



Corro o sério de risco de, com a opinião externada neste espaço, angariar a antipatia de uma respeitável categoria profissional. De qualquer forma, fica o aviso desde o início: nada tenho contra eles, mas com relação ao procedimento de alguns, talvez da maioria. Refiro-me aos chamados motoboys. As relações sociais mudaram profundamente. Hoje estão baseadas na pressa. O tempo é curto para tudo. Sobram-nos compromissos, falta-nos horário disponível. Assim, é ótimo contar com um tipo de serviço que economiza o que não dispomos. Ao invés de irmos ao restaurante, perdendo tempo com transporte, estacionamento, espera para atendimento, etc., pedimos a refeição em casa. Entregue pelo valoroso motoboy. O problema é que o preço não se limita ao valor pago pelo serviço, pois está alcançando vidas.

A população aumentou assustadoramente e celebramos o suposto ingresso do Brasil no grupo dos países privilegiados porque os carros estão acessíveis a uma significativa parcela da população. A capacidade de circulação das nossas vias, entretanto, não observou esse incremento da frota e estamos perto do colapso. Mas permanecemos com pressa. A invulgar sagacidade brasileira, unindo esse problema a não menos preocupante necessidade de criação de postos de trabalho, acabou por dar o seu jeitinho. Descobriu que poderiam ser ocupados os poucos espaços vazios ainda existentes para dar vazão à pressa. Mas essa ocupação se traduz em severos riscos.

A situação do trânsito, que já era perigosa e caótica, agravou-se. Estatísticas alarmam para o alto índice de mortos, com destaque para os motociclistas. Não é para menos. Exigimos deles a rapidez da entrega e essa somente é possível com a ocupação de espaços que os expõem a graves situações de risco. A comprovação do que se afirma dispensa altos estudos e tratados de sociologia. Basta atentar para uma área de grande circulação. São incontáveis os casos de motociclistas que circulam entre outros veículos, estacionados ou em movimento. Um singelo movimento ou manobra não prevista, e pronto, mais um acidente para virar número.

É impensável nessas alturas coibir a atividade dos motoboys. Como afirmado, formam um batalhão de profissionais honrados que buscam obter o pão de cada dia e que consolidaram uma profissão respeitável. Mas é urgente que se pense seu exercício, visando garantir especialmente a integridade do próprio profissional. E isso exige um sério trabalho de conscientização que deve abarcar não apenas os motoboys, mas igualmente seus empregadores e todos aqueles que utilizam esses serviços de entrega. Entretanto, tudo indica, infelizmente, que enquanto esses profissionais não se mobilizarem por maior segurança pouco deverá ser feito.

A questão parece não importar muito aos órgãos governamentais, os quais permanecem comendo mosca e fazendo de conta que o problema é só do motoboy com o agente de trânsito, quiçá também do juiz convocado a condenar alguém por homicídio culposo. Contudo, precisamos todos compreender que é melhor a pizza chegar fria do que se perder mais uma vida no trânsito.


Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal Vice-Presidente Cultural e da ESMAFE



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