Repensar o Supremo



É provável que em nenhum outro momento da história republicana o Poder Judiciário esteve tão em evidência como atualmente. É então oportuno repensar a formatação de algumas instituições judiciais, objetivando o aprimoramento das mesmas, ao invés de apenas assimilar críticas raivosas que de construtivas nada possuem.

Quando se cogita repensar o Supremo Tribunal Federal o enfoque é quase que invariavelmente direcionado à forma de composição da Corte. Mas esse problema reside menos no arcabouço constitucional do que propriamente no seu funcionamento prático. Não é de responsabilidade da Constituição que a sociedade se omita da discussão dos nomes indicados pela presidência da República. No exterior do território jurídico, é quase inexistente qualquer consideração sobre os indicados, e, mesmo no seu interior, terminam por se revelar inócuas. O Senado Federal, afora algum mise-en-scène de algum congressista de oposição, restringe-se a chancelar a indicação.

Essa questão, conquanto longe de ser desimportante, contudo tem recebido mais atenção do que a premente necessidade de se rediscutir o papel do Supremo Tribunal Federal. Por oportunidade da constituinte, foi cogitada a possibilidade de torná-lo uma genuína corte constitucional, em conformidade ao modelo alemão. Por essa proposta, ao final vencida, ao Supremo estaria reservada apenas a chamada jurisdição constitucional, ou seja, a atribuição de confirmar a constitucionalidade ou afirmar a inconstitucionalidade de determinada lei. Optou-se, todavia, por, ao lado dessa competência, destinar-lhe diversas outras. O resultado desse inchaço é inquietante.

A Corte tem dificuldades para dedicar-se a sua atividade primeira que é a de proteger a Constituição, especialmente das investidas dos demais Poderes republicanos. Não raro são muito demoradas suas decisões. E, quase sempre assoberbado, o Supremo também não oferece respostas a contento nas demais situações, reforçando as críticas que são opostas, por exemplo, ao chamado foro privilegiado. Muito a propósito, o caso “Mensalão” é emblemático.

A despeito do esforço inequívoco dos Ministros de reverter o quadro, para além dessas situações de ineficiência há outro aspecto a considerar: a demasiada concentração de poderes. Essa potencializada competência em muitos casos esvazia as demais instâncias do Poder Judiciário, em prejuízo da efetividade e da celeridade processuais e da segurança jurídica, ao estimular que tudo seja levado ao Supremo. Instrumentos como a avocatória ou a repercussão geral podem ter minimizado o problema, mas estão longe de resolvê-lo.

Quem pensar que essas colocações são insustentáveis, poderia fazer a gentileza de explicar por que anualmente os processos recebidos pela Suprema Corte norte-americana contam-se às centenas, enquanto que pelo Supremo, aos milhares. Ou pelo menos pretenda convencer que, no plano exclusivamente processual, o Judiciário daqui funcione melhor que o de lá.
Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Vice-Presidente Cultural e da ESMAFE



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