A crise de um modelo



O Poder Judiciário está em evidência na mídia. Há críticas por todos os lados. Algumas pertinentes, outras equivocadas, além daquelas que escondem interesses pessoais. Muitos cogitam de crise do Poder. Arrisco dizer que se trata de uma crise de modelo de Judiciário. Modelo esse que, na média, tem-se revelado inoperante. Exemplos de ineficiência pululam por toda parte, apesar dos esforços para aprimoramento da prestação jurisdicional. Iniciativas bastante válidas surgem aqui ou acolá, mas têm sido insuficientes porque mantém o modelo intacto.

Não há crise do Poder Judiciário porque esse quadro de críticas, desconsideradas as pontuais, não é observável correntemente pelo mundo afora. Parece uma situação específica. Mais precisamente, verde-amarela. E há de se convir que, ressalvados excessos oportunistas, muita coisa deve mudar. E talvez não surja oportunidade melhor. Mas que as transformações não sejam superficiais. É preciso alcançar o cerne do sistema. Contudo, cumpre indagar: estamos dispostos a enfrentar as raízes do problema ou nos satisfaremos com providências anódinas?

Infelizmente tenho a impressão de que o Judiciário é a bola da vez na opinião pública. Bastará surgir algum outro escândalo ou polêmica, que atraia a atenção da mídia, para que então se recolha ao seu costumeiro silêncio, lambendo as poucas feridas causadas. Tomara que eu esteja errado. Todavia, gostaria de partilhar certas premissas desse pessimismo.

Sem ingressar no mérito do acerto ou desacerto da Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo Ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, conhecida por PEC dos recursos, é interessante avaliar as reações contrárias. Em sua maioria se embasam no retórico argumento de prejuízo à ampla defesa. Mas o que é precisamente ampla defesa? Como se cumpre com ela? Proporcionando um número infindável de recursos, e assim praticamente tornando inalcançável a decisão definitiva e contribuindo sensivelmente para a demora dos julgamentos? Não se faria presente acaso os juízes pudessem apreciar com maior vagar e cuidado os processos, atentos às ponderações de ambas as partes? Passou-se ao largo dessas questões, todas relacionadas ao modelo atual do Judiciário brasileiro, o qual tem privilegiado a quantidade de decisões em detrimento da qualidade.

Não seria esse o momento de procurar prestigiar a instância inicial, estacando a cultura do reformismo gratuito? Se as decisões são reformadas por absoluta imperfeição, não seria oportuno repensar a forma de seleção dos magistrados? A concentração de poderes nos Tribunais Superiores, os quais deveriam julgar apenas questões de direito de ampla repercussão, não é exatamente o oposto do propósito de simplificação do processo?

Por último, o que se tem pensado sobre o excesso de litigância? É natural que para aproximadamente três brasileiros - nessa equação incluídos crianças e adolescentes - tramite uma ação judicial, ou seja, sessenta milhões de processos aguardando julgamento? Que medidas têm sido cogitadas para a contenção de demandas cujas soluções poderiam passar ao largo do Judiciário? Não seriam adequadas políticas de conciliação prévias ao ingresso em juízo?

A ausência desses questionamentos no debate público revela que há pouca disposição de se reformar o que não tem funcionado adequadamente. Vai ver por que os temas são muito espinhosos. Ou porque adoramos respostas prontas e soluções mágicas, ainda que nitidamente paliativas. Sempre será mais conveniente, além de atrair holofotes, chamar juiz de vagabundo.
Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Vice-Presidente Cultural e da ESMAFE



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