Os pobres perderam.



Está no site da CNN - e no pensamento de economistas de todas as matizes ideológicas - a declaração do Sr. Warren Buffet, segunda maior fortuna dos Estados Unidos: “Existe uma Guerra de classes, é certo, mas é a minha classe, a classe rica, que está fazendo esta guerra, e nós estamos ganhando”

Se há uma guerra de classes, como propalava Marx e conforme afirma o Sr. Buffet, pode-se dizer que, no Brasil, o ápice dourado da pirâmide social já ganhou. Não estou falando da tão propalada Classe A, pois esta reúne assalariados, profissionais liberais e pequenos empresários cuja renda média por pessoa do grupo familiar é a partir de R$ 6.563,73 ( de acordo com dados da ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), mas sim dos incensados que por meios indevidos se alçaram ao tríplice AAA, donos de rendimentos anuais líquidos na casa dos sete dígitos. É esta casta que venceu a guerra, e que agora perpetua o seu triunfo por meio de uma complexa e intrincada estrutura de poder.

Quero deixar bem claro que o sujeito que alcançou os píncaros da riqueza por mérito próprio - ou o bem nascido que somente administra seu legado - sequer lutaram esta guerra. Não causaram dano, não vitimaram ninguém. O rico é um sujeito a ser prestigiado no nosso modo de produção capitalista, pois seu poder de investimento, se bem direcionado, cria empregos, enseja oportunidades e faz gerar renda no seu meio circundante.

Refiro-me àqueles milionários que enriqueceram à sombra do Estado, ou por causa dele. Aos que forjaram fortunas a partir de grandes passivos, indiferentes à sorte dos credores. Refiro-me aos golpistas de todos as matizes que auferiram uma bolada como resultado de uma sucessão de pequenas patifarias, e respondem a vinte ou trinta processos que, bem administrados, vão tramitando, tramitando, tramitando... Refiro-me, em ultima análise, ao suceder de personagens que ocuparam as manchetes dos jornais nos últimos dez anos, cujos nomes vão sendo esquecidos à medida que a roubalheira sem precedentes de ontem é suplantada pela roubalheira sem precedentes de hoje.

E o judiciário, o leitor deve estar pensando? Pois é, o judiciário... Para responder a pergunta, transcrevo o artigo do juiz Nagibe de Melo Jorge Neto, publicado no Blog do Jornal Folha de São Paulo em 22/06/2012:

“Alguns acusam a sociedade norte americana de puritana e hipócrita, sobretudo depois do desastre financeiro de 2008, mas eles ainda têm o maior PIB do mundo. O sistema criminal, que alguns dizem racista e tendente a produzir decisões injustas, inclusive com pena de morte, consegue por na prisão em razoável tempo gente como Bernard Madoff, os executivos chefes da Enron, Kenneth Lay e Jeffrey Skilling, o ex Senador pelo Missouri, Jeff Simith, e o ex Governador do Estado de Illinois, Rod Blagojevich.

Desconfio que são os valores cívicos que nos permitem saber o que é correto e nos impelem a posicionar-nos de acordo com o certo. Como não os cultivamos, procuramos a solução a latere, na pura forma. Saber o que é certo e o que é errado não é assim tão difícil. A garantia do acusado no processo penal, por exemplo, é clara como água, menos para nós! Consiste em dar a todo acusado de crime o direito de ser ouvido antes de qualquer decisão, o direito de produzir e acompanhar a produção da prova, além da garantia de presunção de inocência.

Presumir alguém inocente, contudo e, sobretudo, no curso de uma investigação, não é o mesmo que dificultar até quase tornar impossível o seu processamento, a colheita de provas contra ele ou mesmo a sua prisão. Aliás, se à acusação cabe o ônus de provar a existência do crime e sua autoria, à defesa cabe o ônus de provar que houve prejuízo relevante pelo descumprimento de uma formalidade.

No Brasil, contudo, e apenas nestes tristes trópicos, as garantias do acusado no processo penal são um fetiche, a submissão quase completa da essência à forma. Constituem-se numa série quase infinita de formalismos e o descumprimento de qualquer deles, ainda que não importe efetivo prejuízo para a defesa, ainda que o acusado tenha podido se manifestar à larga, ainda que o acusado tenha tido acesso a todos os documentos, pode acabar por anular ou retardar o processo”.

No âmbito civil, concluo eu, a situação é igualmente frustrante. Paralelamente ao expediente lícito de fazer usos dos vários recursos que eternizam uma demanda judicial, há a prática ilegal de blindagem patrimonial: transferem-se bens para terceiros, opera-se no mercado financeiro por prepostos, utilizam-se cartões de crédito expedidos por bancos situados em paraísos fiscais. E os meios legais de cobrança se perdem nos complexos meandros da ritualística processual.

Os pobres também perderam no Brasil, Sr. Buffet. E de goleada.

Que chegue logo a Copa para nos consolar!

Marcel Citro de Azevedo é juiz federal e diretor cultural da AJUFERGS.



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