O nó dos recursos.



Justiça que tarda, falha. Nada mais verdadeiro que o velho ditado popular. Dentre os problemas enfrentados pelo Judiciário a morosidade é, de longe, o que mais gera insatisfação e descrédito junto à população. E não sem razão. Para quem sofre alguma violação em seus direitos, nada pior que ter de esperar durante longos anos até que a justiça seja feita. É à custa da vítima que corre o tempo do processo.

Não há dúvida de que a justiça institucionalizada - como tal compreendida a aplicação da lei, mediante um processo que oportunize às partes que se manifestem, produzam provas e interfiram na decisão judicial - sempre exige um certo tempo para sua concretização. A angústia com essa demora não constitui novidade na experiência humana: the law’s delay [a demora da lei ou da própria justiça, em uma tradução mais adequada ao contexto] aparece entre os males que, há 4 séculos, já faziam o Hamlet de Shakespeare se perguntar o quanto a própria vida valeria a pena...

No Brasil, apesar da positivação da razoável duração do processo como princípio constitucional, de avanços na lei processual e na própria organização de setores do Judiciário em que problemas estruturais se refletiam [e eventualmente ainda se refletem] em uma maior demora no trâmite dos processos, o transcurso de muitos anos até que um caso seja definitivamente resolvido se dá com uma frequência muito além do desejável.

De outro lado, quem conhece a realidade do nosso Judiciário sabe que um juiz profere, em média, de centenas a até alguns milhares de sentenças por ano. Embora os números variem conforme a matéria e a maior ou menor quantidade de processos especificamente em um determinado juízo, trabalha-se, e muito, na Justiça brasileira. Quem conhece o Judiciário também sabe que significativa parte dos processos é julgada em menos de 1 ano. Na Justiça Federal, a maioria das ações é decidida em alguns meses. Com não rara frequência processos são sentenciados em 60 ou 90 dias.

Mas se os processos são julgados com relativa celeridade, o que, afinal, tanto amarra a Justiça brasileira? Trata-se de uma coisa chamada excesso de recursos.

A ordinarização de recursos que deveriam ter caráter extraordinário e uma míriade de meios para impugnar toda e qualquer decisão judicial tornam nosso processo um dos mais lentos do mundo. A sentença do juiz, que deveria representar o fim do processo, ou pelo menos um passo muito próximo disso, é reduzida à conclusão de uma primeira entre muitas etapas de um longo e moroso caminho. O mesmo caso tem de ser julgado não 1, mas 2, 3, 4 ou até mais vezes até que se alcance uma decisão definitiva. Isso, é óbvio, leva vários anos. Criminosos ficam impunes, vítimas morrem sem receber indenização, cidadãos aguardam uma vida para terem seus direitos reconhecidos. O processo, que deveria ser instrumento de solução, transforma-se em instrumento para eternização de conflitos...

Quem ganha com isso são poucos: os litigantes habituais, como bancos e o próprio Governo, que possuem quadros permanentes de advogados e que não só podem suportar, mas em geral se beneficiam dessa demora, criminosos com amplos recursos financeiros e, é claro, as grandes bancas de advogados que os defendem.

Porém como os interessados em que não haja mudança são poderosos, provavelmente ainda teremos de conviver por muito tempo com nossa jabuticaba processual.

Dr. Gueverson Farias
Juiz Federal



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