Enquanto os cães ladram



Terminadas as Olimpíadas de Londres, o assunto Copa de 2014 ressurge com força. Não é para menos, em dois anos o Brasil sediará o grande espetáculo futebolístico mundial. Um biênio depois será a vez das Olimpíadas no Rio. A indagação mais singela, se conseguiremos ou não nos preparar para estes eventos em prazo tão exíguo não exclui a mais complexa: de que modo será viabilizada a preparação para receber os olhos e o coração do mundo?

As obras de infraestrutrura exigirão investimentos milionários, de duvidoso retorno imediato. O atraso generalizado que já se experimenta em todas as frentes, a ponto do Brasil ter recebido uma descompostura pública da FIFA, deixa entrever nuvens cinzentas no horizonte: quanto mais urgente é a obra, mais pífia é a sua fiscalização e controle. Não só do ponto de vista técnico, mas também do orçamentário.

A imprensa vinha noticiando, há tempos, denúncias de irregularidades graves na reforma geral prevista para alguns estágios. Se mesmo as obras que vem sendo tocadas mediante um processo licitatório regular apresentam problemas da magnitude que vem sendo retratada, o que dizer daquelas que sequer foram licitadas?

Os sinais são claros, impositivos. Se uma efetiva preparação não se iniciar logo, nunca antes na história deste país tantos irão locupletar-se tanto em tão pouco tempo. Não existe nada melhor para uma boa maracutaia do que o impositivo da urgência.

O fato é que a “sensação de impunidade” referida pela imprensa de todo o país tem se tornado, gradativamente, impunidade efetiva. As causas são várias e complexas, e demandam uma análise acurada da integralidade do panorama sócio-econômico-cultural do país nas últimas décadas. Há algumas conclusões óbvias, entretanto, e justamente por serem óbvias precisam ser escritas.

O Congresso deve rever urgentemente as leis que regulam os prazos prescricionais de crimes econômicos, financeiros e contra a Administração em Geral. Do jeito que está, qualquer profissional medianamente preparado consegue empurrar um processo-crime para a gigantesca estante dos feitos findos, extinguindo-se a punibilidade pelo decurso de breve período.

Os tribunais de contas necessitam ser amparados e prestigiados pela sociedade civil. Os governos estaduais e federal devem multiplicar seus controles internos sobre os contratos de concessão de obra pública. E o Judiciário precisa promover um amplo debate sobre o conteúdo, alcance e limites do tão propalado princípio da presunção de inocência. Passados vinte e dois anos da promulgação da Constituição Federal, e enterrado o regime de exceção que solapou as liberdades civis por um largo período, uma outra interpretação da norma é possível, proporcionando o resgate do caráter dissuasório da pena. E também da confiança da população.

Isso porque é senso comum, atualmente, que detentores de grande poder econômico ou político, ainda que surpreendidos cometendo crimes graves, só são efetivamente sancionados em situações excepcionalíssimas. Algo assim como drible de trivela, ou gol olímpico.

Para concluir: é preciso atacar a falsa idéia de que a corrupção é um crime menor, por não envolver violência: a corrupção agride e violenta, silenciosamente, milhões de anônimos, uma grande massa silenciosa composta principalmente de crianças, das quais são sonegadas educação e saúde de qualidade, bem como políticas públicas que poderiam lhe garantir um futuro mais promissor.

Para o leitor que nos acompanha assiduamente, os parágrafos acima talvez tenham soado familiares. Não é à toa: o texto foi escrito em julho de 2010, logo após a eliminação do Brasil na copa, e apenas trocou-se a expressão “Copa” por Olimpíadas. Seu título era “2014: jogo limpo desde agora!” Os presságios se confirmaram, e as obras estão sendo tocadas, como regra geral, em um regime especial com controles flexibilizados. Enquanto isso, a opinião pública se distrai com o assunto salários dos servidores (publicar seus nome ou só a matrícula), o julgamento do mensalão e as pseudomusas das várias CPIS que se sucedem produzindo apenas som e fúria.

E, enquanto os cães ladram, a caravana passa...

*Diretor Cultural da Ajufergs e professor de Direito Tributário na Esmafe/RS



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