Transparência: da névoa à luz



No início do século passado, o juiz da Suprema Corte Louis D. Brandeis afirmou, sobre a necessidade de transparência na sociedade americana, que “a luz do sol é o melhor dos desinfetantes”. Referia-se ao sistema financeiro dos Estados Unidos, que além de opaco era hermético, possibilitando que os financistas de então pudessem escapar ilesos das crises financeiras que acometiam o país de tempos em tempos, enquanto o ônus recaía sobre a classe média.

Ultimamente a frase tem sido repetida à exaustão pelos defensores da transparência ilimitada, aplicável aos funcionários dos três níveis da federação. Nesse respeitável modo de pensar – adotado por parte considerável da população e da mídia – a mitigação do direito de privacidade enseja a publicação na Internet de nomes e salários e constituiria um direito do cidadão que paga os tributos e, conseqüentemente, os vencimentos dos agentes públicos.

Não é objetivo deste artigo discutir a razoabilidade deste critério, mas debater a transparência em outro contexto: o dos repasses financeiros diretos e indiretos ao setor privado. O quê, o quanto, o como e o porquê das subvenções, financiamentos, aportes e desonerações fiscais que alguns grupos econômicos têm recebido a partir da arrecadação tributária.

Sim, o debate sobre a transparência não deve limitar-se à divulgação pormenorizada das remunerações dos servidores. No atual momento por que passa o país, não se pode desviar o foco de duas questões importantíssimas: o grande financiamento publico das obras da Copa 2014 e das Olimpíadas de 2016 e a notícia recentemente divulgada, a partir de um estudo encomendada pela Tax Justice Network ( Rede de Justiça Fiscal, em uma tradução livre) de que brasileiros detém a quarta maior fortuna do mundo em paraísos fiscais. De acordo com relatório daquela entidade, “os super-ricos brasileiros detêm o equivalente a um terço do PIB em contas off-shore”, ou seja, livres de tributação e de supervisão pelo Banco Central. Em um momento de flexibilização dos controles para permitir que as obras sejam finalizadas a tempo para os eventos esportivos que colocarão o país sob o escrutínio universal – evitando um vexame gigantesco caso o pais não prepare a infra-estrutura necessária – é preciso ter cuidado para que todo o barulho que se dirige contra “ a caixa-preta” do funcionalismo não sirva de cortina de fumaça para mais uma monumental transferência irregular de recursos públicos para o setor privado. Curto e grosso: apontam-se ametistas e turmalinas do vizinho – e por vezes também alguns patacões – para melhor ocultar o contrabando de diamantes.

O estudo citado mostrou que os bilionários brasileiros somaram, até 2010, 520 bilhões de dólares em paraísos fiscais. É preciso que estes dados sejam debatidos e investigados, e que a luz do sol a que se referia o juiz Brandeis possa também dissipar a espessa névoa que recobre as subvenções públicas e as transferências financeiras para o exterior.

* Juiz Federal, Diretor Cultural da AJUFERGS



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