Mais literatura, menos literatice



Chega um momento da vida em que sentimos uma enorme nostalgia dos livros que não lemos. Isso porque, independentemente da bagagem cultural que cada um carrega, há sempre um déficit entre o conhecimento desejado e o efetivamente obtido. Apesar de mecanismos de busca como o google – este oráculo do século XXI – e de todos os avanços tecnológicos, dados e informações esparsas apenas se transmudam em conhecimento efetivo depois de sua assimilação sistemática e de alguma maturação. Conhecimento sólido é que nem o vinho de guarda: um repouso mínimo é essencial.

Assim, na hora de falar de improviso, no instante de rebater um argumento, na ocasião de redigir um texto com certa urgência, a internet não nos será de grande valia. O que poderá acorrer em nosso auxílio é o conhecimento adquirido pelo mesmo caminho já trilhado pelos grandes gênios, de Sófocles a Dostoiéviski: leitura atenta, retenção dos tópicos principais pelos processos da memória e integração gradativa do conhecimento novo ao acervo intelectual já existente.

Penso nisso neste momento em que se prepara um novo concurso para juiz federal substituto, ao examinar os conteúdos que vêm sendo exigidos dos candidatos sob o título “ Formação Humanística”. Conhecimentos de Sociologia e de Filosofia do Direito, de Psicologia Judiciária, de Ética e de Teoria Geral do Estado. Oportuna e cabível a exigência, considerando a dificuldade imensa de julgar a conduta do semelhante, mas...e o seu impacto sobre os candidatos que não tiveram como buscar por conta própria conteúdos que não foram ministrados no Ensino Médio, ou na própria Faculdade de Direito? Terão tempo, às vésperas da publicação do edital, para inteirar-se de noções de Filosofia, Sociologia, Ciência Política e Psicologia, pressuposto incontornável para entender-se as projeções específicas destes ramos do conhecimento sobre a ciência jurídica?

Daí o título deste artigo. O que questiono é se não estamos estudando demais obras menores - só por que foram escritos por autores brasileiros - em detrimento da grande literatura. Li vários livros esquecíveis dos doze aos quinze, a mando de alguns professores, mas não passei os olhos pela Ilíada ou pela Odisséia, nem na versão em quadrinhos de qualquer obra de Shakespeare. Toda a tragédia grega que nos foi legada através dos séculos, toda a genialidade do bardo, e para passar no vestibular de literatura precisávamos apenas diferenciar o simbolista do parnasiano.

O que questiono, em última análise, é a ausência dos grandes textos formadores na época da nossa formação, quando são construídos os alicerces do edifício intelectual que carregamos por toda a vida. Quantas ilações, percepções e conexões são sonegadas ao acadêmico de Direito que passa ao largo das obras seminais da literatura de todos os tempos! Direito, vale sempre lembrar, não é apenas uma coisa que se sabe, mas também uma coisa que se sente. Daí a expressão sentença, do verbo latino sentire, daí a palavra acórdão, a simbolizar o conhecimento que passa pelo coração. Ora, alguém que é apresentado a estes cânones do pensamento nos verdes anos tem a possibilidade de com eles conviver por muito mais tempo, estando certamente mais apto a absorver a Psicologia, a Sociologia e a Filosofia exigíveis para o melhor desempenho do cargo não só de juiz, promotor ou advogado, mas de qualquer profissão em que seja imprescindível a avaliação do agir do semelhante. Em outras palavras, uma convivência precoce com os grandes textos formadores enseja um melhor desempenho de qualquer atividade humana, em qualquer época ou lugar.

E o resto? Bom, o resto é silêncio.



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