O STF e o julgamento do mensalão



Quem acompanha o julgamento do chamado mensalão já observou que o método para a sua realização tende a ser confuso, contraproducente e exaustivo. Dias e dias de manifestações de advogados, leitura de votos com milhares de páginas e fragmentação das discussões são a tônica do julgamento.

A questão que se impõe é a seguinte: o julgamento teria que seguir esse método?

Método é o caminho pelo qual se chega a um fim. No processo criminal comum, decidido por um único juiz, este redige a sua decisão em seu gabinete. O procedimento para a tomada da decisão é muito mais simples e célere. Nos processos que tramitam nos Tribunais, em que a decisão é tomada por um conjunto de juízes, a condenação ou absolvição decorre da pluralidade de manifestações dos juízes (e cada manifestação é chamada de voto).

Pois bem. É certo que a finalidade do processo é a obtenção de um julgamento justo e em conformidade com o Direito. Mas, para que se atinja este fim, há que se adotar um método, e, muitas vezes, a qualidade do método vai influenciar na qualidade da decisão que se obtém.

Os Tribunais têm experiência na tomada de decisões colegiadas, mas não a têm em ações penais originárias que embarcam fatos complexos, numerosos e com vários réus. E, no caso do mensalão, o STF simplesmente utilizou a forma tradicional de julgamento colegiado, com algumas adaptações, o que, acredito, revelou-se não ser a mais adequada para um julgamento de tamanha complexidade.

Para o futuro, algumas medidas poderiam ser cogitadas.

Primeiro, pode-se pensar no fim das sustentações orais. Afinal, todas as partes atuantes no processo tiveram a oportunidade de se manifestar por escrito. Tramitasse o processo em um juízo de primeiro grau, como ocorre em 99% dos casos, o julgador certamente substituiria os debates orais por alegações finais escritas, o que sempre ocorreu sem qualquer suspeita de que isso desrespeitasse o devido processo legal. As sustentações orais poderiam ser admitidas discricionariamente pelos julgadores, apenas para a indagação de questões específicas, sobre as quais pairassem dúvidas e que melhor seriam resolvidas através da comunicação presencial e direta, e não por escrito.

Outra mudança seria o fim da leitura interminável de votos, muitas vezes com centenas ou milhares de páginas, procedimento que não possui qualquer finalidade relevante. A publicidade da decisão, com todos os fundamentos, ocorrerá com a publicação do acórdão (decisão do Tribunal). O debate entre os julgadores, por sua vez, não se dá e nem é estimulado com longas horas de leitura, porque isso não permite evidenciar em quais questões existe convergência e em quais há dissenso. Perde-se tempo com questões pacificadas e não se debatem questões controvertidas. Quem acompanha as sessões plenárias do STF pode verificar que, nos casos de maior repercussão, em que os ministros chegam à sessão com os seus votos já redigidos, são mínimos os debates. Não se propicia, por esse meio, uma salutar discussão entre onze juízes, mas apenas uma sequencia de onze monólogos. Muitas vezes, ao final, sabe-se o que foi decidido, mas não se tem uma exata compreensão dos fundamentos da decisão. A leitura poderia ser substituída pela circulação, entre gabinetes, dos votos escritos, com muito mais proveito e eficácia.

Várias outras medidas podem ser pensadas pela comunidade jurídica. Algumas delas dependeriam de alteração legislativa, enquanto outras dependeriam apenas de uma mudança de hábitos. O que é certo é que é preciso mudar, pois não pode um órgão judicial, ainda mais aquele se encontra no topo do Poder Judiciário, passar dias e dias em sessões monótonas, cansativas e contraproducentes, que nada contribuem para a produção de uma decisão justa.


Eduardo Gomes Philippsen
Juiz Federal - 4.ª Turma Recursal do RS



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