Cuidado com a notícia



Não se conhece estado democrático de direito sem imprensa livre. Tome-se por democrático de direito o estado que apresente razoável distribuição de renda, seja socialmente solidário e assegure o mais amplamente possível a liberdade individual. Com o devido perdão dos que pensam diferente, está excluído o Brasil. Pecamos no primeiro quesito. É verdade que a situação tem melhorado, mas a passos lentos de tartaruga manca. Não se adota a velocidade possível da transformação, mas a velocidade viável que permita largos afagos nos interesses que se beneficiam do imobilismo. No atual contexto de consumismo desenfreado, não nos enganemos com crediários facilitados, acréscimo da frota de carros. Há muita gente ainda sem casa para morar, sem terra para plantar, sem serviço de saúde para se curar, e sem escola decente para estudar. Carências que se apresentam na mesma proporção do dinheiro público desviado a rodo. Respectivamente, são muitas e muito.

Isso não significa que devamos largar tudo mão, embora muitas vezes dê uma vontade danada. Pois nossa omissão só contribui com esse quadro. E há outros aspectos a preservar. Retomando a questão da imprensa, muito se tem falado que aí o Brasil evoluiu. Comparada a situação atual com aquelas vividas nos períodos de exceção, de fato essa conclusão parece verdadeira. Mas proponho que se analise a questão sob outra ótica.

A imprensa realmente tem contribuído para o esclarecimento da população – e parece-me que é essa sua função primordial – ou tem se prestado a formar opiniões que legitimem interesses específicos, sem descartar os escusos? Até que ponto existe isenção, informação desinteressada naquilo que é passado ao público? Por exemplo, as coberturas jornalísticas eleitorais podem receber esse atributo, ou encobrem a defesa de algum candidato? Os grupos se mantêm fiéis às respectivas linhas editoriais e estimulam a captação de variadas opiniões ou veiculam somente o que lhes interessa?

O semanário Carta Capital e o diário O Estado de São Paulo, com posições editoriais antagônicas, têm publicamente admitido simpatizar com determinados candidatos ou programas. Assim, respeitam o público deixando ao leitor que avalie o nível de isenção da publicação. De outro lado, os gaúchos dispõem da inequívoca colaboração deste O Sul, que invariavelmente publica opiniões das mais variadas matizes.

Infelizmente, porém, não é sempre assim. Há segmentos que apresentam como indiscutíveis fatos, análises, opiniões, estudos que estão longe de configurarem verdades. Há os apressados em divulgar informações, sem a preocupação de verificar sua verossimilhança, com a finalidade de publicar manchetes estapafúrdias e proporcionar dividendos para os proprietários do veículo de informação. De arrasto levam reputações, cujas ofensas não são reparadas com pequenos pedidos de desculpas publicados nos pouco lidos espaços destinados aos leitores.

No Código Penal há dois delitos semelhantes conhecidos por tráfico de influência e exploração de prestígio. Criminalizam a conduta do malandro que cobra alguma vantagem de um terceiro sob o pretexto de influenciar na decisão de alguma autoridade pública. Fato que acontece aos borbotões. A autoridade, no mais das vezes, sequer sabe da existência do aproveitador, mas, por tabela, acaba levando fama de corrupto. Claro que se a autoridade conhece e consente com a cobrança a coisa muda de figura, e também deverá responder criminalmente. Mas não sendo o caso, que prato feito para demolir com a imagem de uma autoridade, ouvir de um gaiato qualquer que ele influencia ou já influenciou em suas deliberações! Pronto, noticiada a inverdade, mancha-se todo um currículo, muito provavelmente pelo resto da vida do profissional.

Nesses casos não se trata de liberdade de imprensa, por que seu exercício pressupõe responsabilidade e compromisso com o esclarecimento do público. Fora disso não é liberdade, é abuso. E com abuso de imprensa, estado democrático não há. O que fazer? Ainda não faço a mínima idéia. A única certeza que tenho é a de que a questão precisa ser enfrentada, com a imprescindível colaboração da imprensa. Preferencialmente daquela que sabe da importância do seu papel e valoriza sua função.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal



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