Política para quem precisa de política



Muito já se escreveu sobre Política. Não aquele comezinha, tico-tico, do toma-lá-dá-cá, mas a Política em sua acepção mais ampla, relacionada a sua raiz grega polis – o engenho e a arte empregados na administração da cidade-estado. Já se escreveu, com inteiro acerto, que o grande problema dos que abominam a política é que serão governados, para o bem ou para o mau, por quem nela encontra motivação e regozijo.

Uma das definições mais impressionantes – e sucintas – sobre o tema foi nos legada por Maquiavel. “A política”, dizia ele, “nada mais é do que o mecanismo pelo qual se conquista e se mantém o poder”. Expurgando conceitos caros à democracia como equilíbrio e transparência, e apresentando o governante bem sucedido como um ser pragmático, frio e calculista, o florentino chocou seus contemporâneos – e permanece chocando-nos – com a sua absoluta dissociação de política da moral.

Em que pese a crítica ofertada pelos filósofos políticos que o sucederam, para Maquiavel a principal característica do governante bem sucedido é o poder de dissimular. Não é preciso possuir de fato qualidades morais ou um genuíno apreço pelo bem comum, mas sim emular tais qualidades, “fazendo de conta” que se preocupa com o povo, suas necessidades e aspirações.

Esta lição o Brasil parece ter aprendido bem. Há um número constrangedor de políticos em atividade no país, nos três âmbitos federativos, que se comprazem em conquistar e manter o poder tão somente para a satisfação de seus interesses privados, não raro para a ampliação pura e simples de seu patrimônio individual. Dissimulam, emulam, simulam. Constroem versões, fabricam fatos, fraudam biografias. Valem-se do poder econômico, da vagueza cultural do eleitor médio e de sua absoluta ausência de memória para se perpetuarem em cargos eletivos onde ampliam sua teia de interesses e aprimoram a sistemática de apropriação privada dos recurso públicos.

Há uma lição de Maquiavel, entretanto, que o país não assimilou. Ele advogava que o governante deveria possuir “virtù”, algo que pode ser traduzido do italiano como “firmeza”. Ou, em outras palavras, uma especial qualidade do caráter que o fazia mais forte e capaz de ultrapassar os obstáculos impostos pelos opositores para, assim espera-se nos dias atuais, promover políticas de igualdade e inclusão .

Virtù, eis um tema da obra de Maquiavel que certamente não envelheceu. Traduzida livremente para o português moderno, pode significar também “virtude”. Um parlamento composto de uma maioria bem intencionados ( nem digo bem preparados, bem intencionados já é um bom começo!). Nós, eleitores, precisamos ter em mente algo inolvidável: o maior dever do cidadão, a despeito de todas as dificuldades e de todas as incompreensões, é procurar sempre o bom político, (ou o menos pior!) aquele minimamente engajado na aplicação responsável dos escassos recursos públicos. Aquele que vai ao parlamento para parlar, para promover um debate responsável dos grandes problemas nacionais, e não para praticar o verbo da mesma conjugação que o leitor está pensando.

O que o país precisa, em última análise, é de uma multidão de homens e mulheres determinados, com alguma sapiência e muita coragem, dispostos a se candidatar nas próximas eleições parlamentares. Capazes de mergulhar nas profundezas da política para lá retirarem a parcela de poder que os legitime, nos termos da Constituição, para o enfrentamento do mau parlamentar, do vereador venal ao senador safado. Para implementar, paulatinamente, um circulo virtuoso que possa conduzir o país a um novo patamar de crescimento e justiça social.

No país de hoje, no Brasil real, das câmaras municipais mais distantes aos corredores do Congresso Nacional, o vício ergue a voz e berra, enquanto que a virtude sussurra, constrangida. Não só “pouca saúde e muita saúva os males do país são”, mas também safadeza em excesso e bravura em recesso.

Marcel Citro de Azevedo é juiz federal e diretor cultural da AJUFERGS.



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