Frases de efeito movem moinhos



A beleza poética do verso “ventos do norte não movem moinhos” se dissiparia se o sujeito da oração fosse “frases de efeito”. A mídia é ávida por elas, especialmente aquela que prossegue desinformando o segmento nacional que se acredita suficientemente letrado por ser assíduo telespectador do Big Brother Brasil. Essas frases movem moinhos, sim. Destroem verdades e agridem conceitos impunemente, e ao final são aplaudidas por essa significativa parcela de pessoas, cujo raciocínio não consegue ultrapassar a mera reprodução daquilo que lêem.

Só nesse paupérrimo contexto intelectual é que algumas frases da Ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, obtém repercussão. Pois após a célebre expressão “bandidos de toga”, ao comentar o período de férias diferenciado dos magistrados, saiu-se com outra, “não podemos ter privilégios. Como pode um magistrado julgar os outros se ele tem uma vida diferente?”.

Ora, juiz tem vida diferente. As restrições e limitações impostas a quem opta pela carreira são imensas, sejam elas decorrentes da própria legislação ou da realidade forense. Quando a carga de trabalho é estafante, como na maior parte dos casos, não há como o juiz contratar auxiliares além dos já disponíveis, dispensar processos ou avisar que vai julgar apenas aqueles já ajuizados. Basta comparar o número de processos rotineiramente julgados para ver que os juízes trabalham muito, invariavelmente em jornadas que superam oito horas diárias e consomem finais de semana, quando não as próprias férias. Exceções existem, obviamente, como em qualquer profissão. Mas exatamente por serem exceções podem ser pontualmente resolvidas. Ah! E é importante registrar que não há qualquer remuneração pelo trabalho extraordinário.

As férias, enfim, servem como compensação a essa situação peculiar dos magistrados. O reconhecimento desse direito não implica afirmar que o juiz é privilegiado. Detém apenas, por conta da profissão, regime diferente. Essas particularidades devem ser observadas como de fato o são para assegurar a jornada de trabalho diferenciada dos jornalistas, dos professores e de uma diversidade de outros profissionais.

Na lógica da Ministra, se para julgar os outros não é possível dispor de período de férias diferenciado, então talvez o juiz devesse antes comercializar entorpecentes para somente após estar apto a condenar um traficante. Possivelmente o ideal, no caso de uma das partes ser jogador de futebol, fosse adequado que o julgador, depois das férias, fizesse uma pré-temporada, de preferência num hotel de luxo, para melhor preparar sua musculatura cerebral. Em assim sendo, se fosse para julgar questões relacionadas a grandes empresários, este escriba certamente se ofereceria como voluntário. E, sobretudo, não há notícia de que ao longo de sua extensa e brilhante carreira a Ministra tenha se declarado impedida de julgar algum processo por ter usufruído de períodos de férias diferenciado.

Como vivemos em democracia, há liberdade para discutir a legitimidade do período de férias dos juízes. Mas o debate deve ser profundo, não escorado em premissas equivocadas e fórmulas retóricas, no mais das vezes empregadas de forma demagógica.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal



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