O destino seguido, o destino a seguir



Terminada a projeção de “Somos tão jovens”, saí do cinema com uma forte sensação de impotência. Já a sentira após assistir a “Rock Brasília – Era de Ouro”. Ambos os filmes se debruçam sobre personagens que embalaram a geração anos oitenta. Da qual fiz parte. Da qual gostaria de ainda fazer parte. A qual parece que se esfacelou.

Naquela época, saindo do período de exceção, a galera tinha a sincera convicção de estar formando um novo Brasil. Ninguém negava os problemas a serem enfrentados, mas todos intuíam que com união, liberdade e desassombro seria possível superá-los. Porém, não se imaginava o quão enraizados eles permaneciam. Tampouco se havia aprendido com os maios de 68 mundo afora. Pois é possível que residisse nessa ingenuidade a semente da incapacidade de concretizar o que se sonhava. Não se ideava que estruturas não se modificam impunemente. Ganhou-se mais liberdade ao preço de maior irresponsabilidade. Crônicas de um fracasso antecipadamente anunciado.

Apenas para ficarmos em Brasília, a verdade é que a geração coca-cola se esvaziou. E, mais grave, talvez seja gestora de uma outra geração opaca e frívola. As marcas – síntese indelével do desejo consumista – não se resumem mais a refrigerantes e orientam nossas aspirações de status, enquanto o espírito de emulação devasta relações pessoais autênticas. A plebe continua ajoelhada esperando ajuda divina, somente levantando em breves intervalos para evitar câimbras nas pernas e recalcar desejos quase incontidos de levar homossexuais à fogueira. Eduardo e Mônica são hoje conceituados e poderosos investidores do mercado de capitais. Joões de Santo Cristo reproduzem-se aos milhares, não necessariamente vivendo a tragédia gloriosa do original. Amiúde dispensam o adjetivo e vivem diariamente apenas das desgraças pessoais e familiares.

Para quem sonhava com algo um pouquinho melhor, há de se convir, que esse algo esboroou mesmo antes de nascer. Somos importantes não pelo que somos, mas pelo que temos. Respeito pelos outros é algo raro (para uma ilustração dessa assertiva, basta a leitura da pungente coluna do Marcel Citro, publicada semana passada). O que importa é vestir a camiseta da pujante marca esportiva – produzida ao custo de algumas vidas, roubadas pelo desabamento de prédios do outro lado do mundo – e ultrapassar limites. Todos. Pelo menos enquanto o cartão de crédito permitir.

Perdoem o tom sombrio. Mas fazer o quê? É o preço por interromper o sonho e despertar para a realidade. E, afinal, o que isso tudo tem a ver com um espaço disponibilizado a questões jurídicas? Ora, estão aí os presídios medievais. Estão aí os interessados em pautar a escolha de um ministro do Supremo Tribunal Federal por suas posições sobre temas que convergem a posturas religiosas. Estão aí as estatísticas de um público que litiga judicialmente por qualquer motivo ou que utiliza o Judiciário para descumprir ou adiar o cumprimento de suas obrigações, incluso os próprios entes estatais. Invocamos direitos, mas astuciosamente esquecemos os deveres. E está aí uma sociedade desigual que insiste em assim permanecer. Será que umas coisas não têm a ver com as outras?

Espero, sinceramente, que essas impressões sejam enganosas. Mas me parece que os slogans de ontem parecem restritos a programas que reproduzem músicas dos anos oitenta e a festas balonês. E ainda que haja espaço para o sonho continuar, será que vamos conseguir vencer?

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal



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