Otimismo ou desesperança?



Os que dispõem de tempo e paciência para habitualmente freqüentar as linhas escritas por este escriba certamente têm notado o tom tétrico dispensado com relação a alguns assuntos, em especial a democracia. Pois não é que finalmente vejo uma luz no fim do túnel. Tomara não seja o farol de uma locomotiva.

As recentes manifestações de rua país afora são um alento na desesperançada expectativa dos que desejam construir e viver num país melhor. Compreenda-se por melhor uma nação mais equânime socialmente e menos corrupta moralmente. Tirando alguns arrivistas e outros imbecis incapazes de pensar em aglomerações, ou talvez mesmo longe delas, é alvissareiro observar gente de todas as idades, segmentos sociais, níveis de instrução, etnias, etc. expondo pacificamente suas reivindicações. Há os que duvidem desses movimentos, uns eternamente antipáticos a qualquer tipo de articulação social, outros com sincera hesitação acerca dos reais objetivos em pauta.

Sinais de que o modelo representativo está esgotado. Dele ninguém seriamente comprometido com a democracia está disposto a prescindir, mas já passou da hora de aprimorá-lo, bem como de admitir e estimular outras formas de participação política. Também é possível que alguns dogmatismos ideológicos tenham sido definitivamente deixados para trás. Os pleitos parecem independer de o sujeito ser de direita ou de esquerda, e se revezam entre a reivindicação de saúde e educação públicas de qualidade e a punição das maquinações de toda ordem.

É bem verdade que esses movimentos podem dar em nada. A extensa pauta de reivindicações pode esvaziá-los e dispersá-los. A ausência de interlocutores aptos a dialogar com o poder público pode conduzi-los ao seu completo descontrole e institucionalizar a baderna. O risco é alto e o custo é imprevisível. Não nos enganemos. Se há motivos para celebrar, os há também para preocupação.

As manifestações da última quinta-feira são exemplo disso. Há criminosos aproveitando-se das boas intenções da maioria dos manifestantes. Com agressões físicas e destruição de patrimônio público ou privado não se chega a lugar algum. Ou melhor, com o uso da violência, os imbecis prestam três desserviços. Primeiro, por que a conta das destruições também vai sair do bolso dos que estão se manifestando. Ora, é com os impostos arrecadados que serão pagas indenizações e reparações. Dinheiro que poderia ser aplicado exatamente no reivindicado aprimoramento dos serviços públicos. Segundo, por que as manifestações legítimas começam a angariar a repulsa não apenas dos simpatizantes silenciosos como também daqueles que delas participam, pois terminam, sem o querer, por ensejar a atuação de bandidos. Terceiro, por que é preciso repudiar ações gratuitas das polícias. Mas é difícil imaginar de que outra forma as polícias devam agir em resposta a atos violentos. E, no meio da multidão, inevitavelmente inocentes terminam agredidos.

De qualquer modo, há indícios de que a democracia está oxigenada. Despertou do marasmo retórico que pretende esgotá-la no exercício do voto periódico. Democracia é mais, muito mais que isso. Aqui residem minhas esperanças. Pode dar em nada. Mas pode significar que a sociedade não está mais disposta a silenciar sobre os graves problemas que afetam a todos.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal



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