Ao amor e à guerra.



Marcel Citro de Azevedo, numa bela crônica literária com pretexto político ou política com pretexto literário, Relicários (01.7.13), conta que foi inquirido sobre palavra que mais gostava, palavra que menos gostava e palavra que achava devesse ser resgatada do desuso.

Pois a mim fizeram as mesmas perguntas. Justifiquei as escolhas e, a título de exercício ou de exemplo, versifiquei experimentando a melodia das eleitas. Mais me ative à forma e à sonoridade do que ao sentido. Foi assim.

(De que gosto.) Gosto de quase todas as palavras. Sua estética não é absoluta. Conjuga forma, melodia, sentidos e seus movimentos na frase adentro. Escolho a seguinte, e justifico num quarteto. “Água”. Dentre as palavras, água, a mais líquida, / carrega a melodia de si mesma, / e assim no seu correr corporifica / o que sem corpo é, por natureza.

(De que não gosto.) As palavras feias são fundamentais. As coisas feias precisam de palavras expressivas. O uso diário dos palavrões mostra o quanto são necessários. Sobre gostar ou não, há palavras feias mas que eu gosto. “Abstruso”, por exemplo. Dia desses usei-a como sobrenome de um personagem. Já “ignoto” acho feio e não gosto. Apesar disso, “o mar ignoto” de Fernando Pessoa até acho bonito. Vai uma quadrinha também, que surgiu por ocasião. Palavras há, aos montes e diversas, / ao manejo de todos e ao bom uso, / mas, às vezes, ocorre nas conversas / saltar um ser ignoto e abstruso.

(A ser resgatada.) Palavras lindas e deixadas pelo caminho há muitas, cumprindo o inexplicável mas recorrente processo humano de se abandonar o que se ama. Refiro uma cujo uso, como substantivo, é bem raro. É verdade que há, em uso, leste, contrapondo-se a oeste, e oriente (belíssima, mas usada na geopolítica, sem enfatizar o fenômeno do dia), contrapondo-se a ocidente. Estranho é que a poente opõe-se nascente, que remete a outro fenômeno, em vez da bela palavra que segue. “Levante”. Nunca amarei assim, e nem amara, / amor cingido em mim sem pós nem antes, / de forma que em tais nós a vida para / e o sol, perdido, deite-se ao levante.

Essas as respostas. Porém, lá fora a revolução urgente bradava. Outro sol, outro levante. E as palavras acorrem e acodem. A procissão olhou para o palácio! / Arquitetura de concreto e vidro. / Viu os vícios que estavam destruindo / os sonhos que sonhou no seu calvário. ///// (Ninguém pensara que, igual às águas / que se juntam vertente por vertente / tornando-se um caudal, assim as gentes / somassem sua dor e sua raiva.) ///// A multidão sorriu naquele instante! / Sentiu, feito um gigante que se erguia, / a força toda de uma epifania / e a luz do dia novo no levante.

Parole, parole, parole... Vem o eco de uma música distante. Palavras que servem ao amor servem à guerra. Calheiros vai, com dinheiro público e parentes, a casamento na Bahia; Alves e Barbosa, ao jogo no Maracanã. Ano que vem teremos a Copa. A verdadeira, não o ensaio. Será amor ou será guerra? Alea jacta est!


Roberto Schaan Ferreira, juiz federal (Prêmio Açorianos de Criação Literária 2011)



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