O que será que realmente importa?



Há alguns dias foi veiculada uma notícia promissora. Não ganhou folha inteira, tampouco chamada na capa, apenas um razoável canto de página. De todo modo, pôde chegar ao conhecimento de parte do respeitável público.

Tratava do repatriamento de alguns milhões de dólares, depositados em instituições financeiras suíças pelo famigerado Nicolau dos Santos Neto. Lembram dele? O ex-juiz? Permitam-me breve digressão? Figura insuportável, para dizer o mínimo. Sujeitos como ele colocam na lama a reputação de milhares de juízes brasileiros. Recusou atender um dos valores mais caros para a magistratura, o respeito pela coisa pública. A descoberta de seus atos desencadeou uma triste e injustificada campanha de desprestígio do Judiciário, como se todos nós fossemos dados a irregularidades. Não nos enganemos, há outros, ainda que em número ínfimo, que transitam pelo ilícito. Mas também não exageremos, como fazem os apressados, notadamente quando acariciados por demagogos em busca de autopromoção.

Voltando à notícia, o fato é que o poder público colocou a mão naquilo que lhe pertencia, ou melhor, que sempre pertenceu a todos nós. Por ocasião de obras no Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, o seu então presidente Nicolau apropriou-se de inumeráveis tostões, remetendo-os ao estrangeiro, a fim de assegurar uma aposentadoria confortável e tranqüila. Dele e de seus herdeiros até a quinta geração. Só que alguns intrépidos estão recuperando a bufunfa. Sem muito alarde.

Há anos órgãos públicos como a Justiça Federal, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, a Advocacia Geral da União têm se debruçado com afinco na tentativa de remediar essas sangrias de dinheiro público. É um trabalho difícil e demorado. Envolve burocracias estrangeiras, sem esquecer as da pátria. Enquanto dormimos, comemos, trabalhamos e fazemos passeatas, essa gente sua tentando reverter os danos causados pela corrupção. Ações como essa são pouco divulgadas quando deveriam ser incensadas e incentivadas.

Pois o mesmo demagogo que, a partir do doutor Nicolau, generaliza afirmando que a maioria, senão todos, os magistrados são bandidos, é o mesmo que aplaude a pretensão esdrúxula do Congresso Nacional de tornar hediondo o crime de corrupção.

Calma! Calma! Não é que eu seja contra a punição de corruptos. Muito antes pelo contrário. A questão é que essa reforma legislativa está fadada ao insucesso. Primeiro por que tornar a corrupção crime hediondo pouco auxilia no combate a sua prática. Só encoraja a idéia de que a lei no Brasil quase sempre não pega. Cabe indagar se, com a Lei dos Crimes Hediondos, diminuíram os crimes tratados por ela. Leizinha essa, aliás, que hoje não passa de um corpo todo remendado pelas suas inúmeras inconstitucionalidades.

Faz uns duzentos e cinqüenta anos que um italiano teve a brilhante conclusão de que não adianta a pena ser alta, pois o que previne o crime é a alta probabilidade da punição. Ele não guardou a lição para si. Escreveu-a, publicou-a. Mas ainda não aprendemos. Falta saúde, faz-se uma lei. Falta educação, faz-se uma lei. Tem muita corrupção, faz-se uma lei. Assim não há lei que agüente. Parece que muita lei e pouca saúde, os males do Brasil são. O curioso é que a massa continua acreditando no conto da Carochinha. É por isso que a mídia se dedica a explorar o discurso por mais punição, enquanto o trabalho formiguinha – não a saúva do Mário de Andrade – que recupera a nossa bolada deve se dar por satisfeito por ainda ganhar um cantinho.

Fórmula mágica para tratar de um grave problema que nos assola desde o Descobrimento não existe. Mas aparar adequadamente as polícias e órgãos de controle, reformar o processo penal debulhando os formalismos injustificados, racionalizar o sistema recursal, não são coisa de outro mundo. Se for para continuar com o faz-de-conta, o melhor então é começar a gargalhar e... locupletemo-nos todos.

É por isso que me sinto no dever de, enquanto cidadão, e não como juiz, parabenizar esse pessoal que labuta silenciosamente, mas com efetividade, com resultados. Um dia, meus prezados, um dia o trabalho de vocês será amplamente reconhecido como merece. Só torço para que esse dia não demore mais de duzentos e cinqüenta anos.


Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal



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